“Enterre Seus Mortos”: A Distopia Sombria de Marco Dutra Encontra Ana Paula Maia no Cinema

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“Enterre Seus Mortos”: A Distopia Sombria de Marco Dutra Encontra Ana Paula Maia no Cinema
Prepare-se para uma imersão profunda e perturbadora. O aclamado diretor Marco Dutra nos convida a um universo distópico com seu mais recente trabalho, “Enterre seus Mortos”. Lançado após um período de grande expectativa em festivais, este filme é a potente materialização da literatura singular de Ana Paula Maia, trazendo à tela uma reflexão visceral sobre a condição humana e os tempos incertos que vivemos.
A produção, que conta com atuações marcantes de Selton Mello e Marjorie Estiano, é mais do que uma adaptação; é uma reinvenção que se alinha perfeitamente com a atmosfera de caos e incerteza que permeia o cenário mundial.
O Encontro Sombrio: Ana Paula Maia e Marco Dutra
Ana Paula Maia, conhecida por seu estilo seco, objetivo e por personagens masculinos brutos e caladões, frequentemente envolvidos com a morte, construiu uma obra literária densa e impactante desde o início dos anos 2000. Seus romances e novelas são um mergulho em rotinas excruciantes de trabalho e na psique de indivíduos à margem.
Marco Dutra, por sua vez, é um nome proeminente no cinema brasileiro contemporâneo, com um histórico de curtas e longas-metragens de atmosfera insólita e, por vezes, horripilante. A união desses dois universos criativos em “Enterre seus Mortos” é um casamento artístico de rara sincronia, onde a dureza das palavras de Maia encontra a visão devaneante e rigorosa de Dutra.
O filme não apenas adapta o romance homônimo de 2018, mas também incorpora elementos de outras obras da autora, criando uma tapeçaria narrativa rica e multifacetada. Este processo de “transcriação” permite que o longa-metragem respire a essência de Maia, enquanto se solidifica como uma obra autônoma e singular do cinema de Dutra. Para saber mais sobre a obra literária de Ana Paula Maia, visite o site da editora.
Um Brasil Distópico Pós-Catástrofe
O enredo de “Enterre seus Mortos” nos transporta para um futuro próximo, onde uma grande tragédia já se abateu sobre a Terra, ou, ao menos, sobre o Brasil. Um vírus mortal redesenhou as fissuras sociais e econômicas, criando um cenário sombrio onde os privilegiados se resguardam, enquanto os desfavorecidos enfrentam postos de vigilância e a ameaça de serem enviados a colônias semelhantes a campos de concentração.
É inegável a alegoria com a pandemia de COVID-19, especialmente por absorver aspectos da novela “De Cada Quinhentos uma Alma”, que Maia lançou em 2021 sob o impacto direto da crise sanitária global. Este pano de fundo torna a narrativa ainda mais pungente e relevante, conectando-se diretamente com as ansiedades e medos da sociedade contemporânea.
Edgar Wilson: Errância e Ambiguidade
No centro desta narrativa difusa e elusiva, embora ambiciosa, está Edgar Wilson, brilhantemente interpretado por Selton Mello. Edgar é um recolhedor de animais mortos, uma figura de errância quase zumbificada que nos guia por esta nova sociedade. O filme, em vez de focar em um arco dramático tradicional, nos convida a ver e descobrir as coisas pelo olhar desse homem, sendo “contaminados” tanto por seus desarranjos mentais quanto pelo funcionamento de um sistema desconhecido e opressor.
A interação de Edgar com Nete, interpretada por Marjorie Estiano, acrescenta camadas de complexidade a essa jornada. Selton Mello entrega uma performance poderosa, capaz de transitar entre a dignidade da piedade e a propensão à monstruosidade, espelhando a ambiguidade que permeia a obra de Ana Paula Maia. Para conhecer mais sobre a carreira de Selton Mello, confira sua filmografia.
A Visão Rigorosa de Marco Dutra
“Enterre seus Mortos” se destaca como o trabalho mais rigoroso de Marco Dutra até o momento. Percebe-se a decisão do artista em estabelecer uma identidade visual e narrativa forte, mergulhando com avidez na mecânica de seu mundo, mesmo que essa mecânica seja opaca e pouco convidativa. A ânsia cinematográfica de Dutra, embora por vezes o coloque à beira do desastre narrativo, sempre o permite se reerguer, resultando em uma obra coesa e impactante.
O filme não busca a empatia fácil com o protagonista, mas sim uma imersão na experiência de Edgar, revelando um misto de horror e ficção científica que lampejam a cada cena. É um convite à reflexão, à contemplação do estranhamento e da brutalidade, onde, tal como seu protagonista, “Enterre seus Mortos” encontra uma forma de sobreviver e provocar antes que o mundo acabe de vez.
Este é um filme essencial para quem busca cinema autoral, que desafia e provoca, em vez de confortar. Uma obra que reflete nosso tempo com uma acidez e precisão que poucos conseguem alcançar.
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