
Maria José Palla: A Lente, a Pena e o Legado de uma Artista Inesquecível

Portugal despede-se de uma de suas mentes mais brilhantes e multifacetadas. Maria José Palla, que faleceu aos 81 anos, não foi apenas uma fotógrafa de renome; foi uma investigadora apaixonada, uma académica dedicada e uma tradutora primorosa. Sua vida, uma ponte entre a literatura do século XVI e a fotografia contemporânea, deixa um legado indelével na cultura portuguesa. Vamos mergulhar na trajetória desta mulher notável.
Uma Formação de Excelência Entre Paris e Lisboa
A jornada intelectual de Maria José Palla foi tão rica quanto a sua produção artística. Durante o período da ditadura portuguesa, encontrou exílio em Paris, um centro de efervescência cultural que moldou profundamente sua visão. Foi na prestigiada Universidade da Sorbonne que ela obteve seu doutoramento, com uma tese fascinante sobre a simbologia do traje na obra de Gil Vicente, um tema que a acompanharia por toda a vida.
Seu percurso académico não parou por aí. Com estudos de fotografia e cinema ao lado do lendário cineasta Jean Rouch e diplomas em História de Arte pela École du Louvre, Palla construiu uma base de conhecimento sólida e diversificada, que mais tarde compartilhou como professora na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
A Investigadora: Desvendando Gil Vicente e a Renascença
A paixão de Maria José Palla pela literatura e arte do Renascimento português resultou em obras de referência. Sua pesquisa meticulosa trouxe nova luz sobre figuras e temas complexos, tornando-se leitura obrigatória para estudantes e especialistas.
- Dicionário das Personagens do Teatro de Gil Vicente: Uma ferramenta essencial para compreender o universo do dramaturgo.
- Traje e Pintura – Grão Vasco e o Retábulo da Sé de Viseu: Um estudo que cruza história, arte e simbologia.
- Leitura Iconográfica d’O Inferno: Uma análise profunda da famosa pintura exposta no Museu Nacional de Arte Antiga.
A Fotógrafa: O Auto-Retrato Como Natureza-Morta
Nos últimos 40 anos, a fotografia tornou-se seu principal meio de expressão. Longe de ser um registro superficial, a lente de Maria José Palla era uma ferramenta de introspecção. Ela ficou particularmente conhecida por seus auto-retratos, que ela mesma descrevia como uma espécie de “natureza-morta”.
Em suas exposições, como “O Auto-retrato como Natureza-morta – Uma Retrospectiva” e “Arquivo”, Palla explorava estados emocionais e existenciais. Usando seu próprio rosto e corpo, ela criava imagens poéticas, filosóficas e, por vezes, metafóricas, mostrando-se livre de convenções estéticas e focada na profundidade da experiência humana.
Um Diálogo Artístico com o Pai, Víctor Palla
Filha do icónico arquiteto, designer e fotógrafo Víctor Palla, a arte estava em seu sangue. Em 2022, no centenário de seu pai, ela promoveu uma exposição tocante no Centro de Arte de São João da Madeira, cruzando sua obra com a dele. As fotografias que fez do pai, especialmente na série “Olhos nos Olhos”, revelam uma intimidade e um humor que transcendem o simples retrato, refletindo um universo lúdico e familiar.
O legado de Maria José Palla é um testemunho poderoso de que a erudição e a sensibilidade artística podem e devem caminhar juntas. Sua obra, seja nos livros que escreveu ou nas fotografias que capturou, continua a nos convidar para um diálogo profundo sobre identidade, tempo e a inesgotável complexidade da alma humana.
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