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Martinho da Vila e a Jornada Inesperada: O Menino de Angola que Atravessou o Oceano

Martinho da Vila e a Jornada Inesperada: O Menino de Angola que Atravessou o Oceano

temp_image_1748628973.777978 Martinho da Vila e a Jornada Inesperada: O Menino de Angola que Atravessou o Oceano

Martinho da Vila e a Jornada Inesperada: O Menino de Angola que Atravessou o Oceano

A ligação entre o Brasil e a África é ancestral e se manifesta de diversas formas na cultura, na história e na música. E poucos artistas brasileiros personificam essa conexão de maneira tão profunda quanto Martinho da Vila. Sua relação com Angola, em particular, vai além dos palcos e das canções, sendo marcada por histórias inusitadas e laços humanos surpreendentes. Uma delas, ocorrida em 1980, parece saída de um roteiro de cinema: a de um garoto angolano de apenas 10 anos que decidiu atravessar o Oceano Atlântico em busca do seu ídolo.

Gonçalves Antônio Sobrinho, fascinado por Martinho durante uma excursão musical do sambista em Angola, não mediu esforços para realizar seu sonho. De Luanda, embarcou clandestinamente em um avião com destino ao Rio de Janeiro, sem documentos, impulsionado apenas pela esperança de encontrar o homem cuja música tanto admirava.

A Chegada Inesperada e o Acolhimento

Ao desembarcar no Rio, o pequeno Gonçalves conseguiu passar pelos controles de passaporte – uma façanha inacreditável para os dias de hoje. Com o endereço anotado na mão (apenas “Grajaú”, bairro onde Martinho da Vila morava), pegou um táxi em busca do sambista. Após tentativas frustradas de encontrar o paradeiro de Martinho, o taxista acabou levando o menino à Rádio Globo, na esperança de que o locutor Haroldo de Andrade pudesse ajudar.

Naquele momento, Martinho se recuperava de uma estafa em Duas Barras, sua cidade natal. Mas sua companheira da época, Lícia Caniné, conhecida como Ruça, e o empresário Vitor Roberto foram acionados e reconheceram Gonçalves. Embora Martinho da Vila estivesse hospitalizado após o retorno da turnê africana, a família e pessoas próximas o acolheram temporariamente.

Graças a uma autorização judicial, o menino pôde passar um fim de semana em Duas Barras com a família do cantor. Aquele foi um período de alegria para Gonçalves, que brincou, passeou pelo Rio (incluindo visitas ao Pão de Açúcar e a um shopping) e teve a chance de estar perto dos instrumentos do ídolo. Contudo, a decisão judicial determinou seu retorno para Angola na segunda-feira seguinte.

Martinho da Vila relembra o episódio com carinho e surpresa:

Ele sempre perguntava se podia ir junto, e eu dizia que sim. Era um garoto muito esperto. Quando estava indo embora, ele disse que vinha me visitar no Brasil e quis saber como fazer para me encontrar. Eu respondi que era só chegar em Vila Isabel e perguntar por mim, falei que qualquer pessoa saberia dizer onde eu morava. Era uma criança, eu estava achando graça e levando na brincadeira, não podia imaginar que ele fosse realmente atravessar um oceano pra me encontrar.

Mais que Música: Uma Ponte Cultural com Angola

A história de Gonçalves é apenas um exemplo da profunda conexão de Martinho da Vila com Angola. Desde sua primeira visita em 1969, antes mesmo da independência do país, Martinho sentiu uma afinidade especial. Ele se tornou uma figura amada pelo povo angolano, realizando incontáveis shows ao longo das décadas e sendo reconhecido com o título de embaixador cultural honorário de Angola.

Essa ligação se manifestou em diversos projetos do artista:

  • Em 1982, gravou o LP “Canto Livre de Angola”.
  • Em 1984, foi um dos idealizadores do Kizomba, um festival que celebrava a arte negra e contava com delegações africanas.
  • Em 1992, lançou o livro “Kizombas, andanças e festanças”, relatando suas experiências em Angola.

Recentemente, Martinho da Vila retornou a Angola para apresentar o show “Canto Livre de Angola”, celebrando os 50 anos da independência local. Ao voltar para o Rio, decidiu trazer o espetáculo para o público brasileiro, unindo canções africanas e seus grandes sucessos, como:

  • Devagar devagarinho
  • Casa de bamba
  • Canta canta, minha gente
  • Ex-amor

A história do menino Gonçalves Antônio Sobrinho é um testemunho emocionante do poder da música e da admiração que Martinho da Vila conquistou, não apenas no Brasil, mas também na terra de seus ancestrais. Uma história que reforça o papel de Martinho como um verdadeiro embaixador da cultura e do samba, conectando continentes e corações.

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