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The Killer: Do Quadrinho ao Cinema, Uma Análise Profunda do Anti-Herói e da Alienação

The Killer: Do Quadrinho ao Cinema, Uma Análise Profunda do Anti-Herói e da Alienação

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The Killer: Do Quadrinho ao Cinema, Uma Análise Profunda do Anti-Herói e da Alienação

No universo sombrio e complexo de “The Killer”, a linha tênue entre um assassino profissional e qualquer indivíduo vivendo uma vida “normal” é brutalmente desfeita. Segundo o protagonista sem nome da aclamada série de quadrinhos francesa, a resposta é chocante: não há diferença. “Somos todos assassinos, de uma forma ou de outra”, ele narra logo no início da saga. “Qualquer vida, seja ela qual for, exige uma espécie de violência permanente para ocupar seu lugar no mundo.” Essa é a premissa que cativou leitores por anos e, mais recentemente, o visionário diretor David Fincher, resultando no badalado filme de 2023.

Mas será que a adaptação cinematográfica conseguiu capturar a essência filosófica e a profundidade existencial da obra original de Matz (Alexis Nolent) e Luc Jacamon? Ou Fincher moldou uma “besta” completamente diferente?

A Profundidade Filosófica da HQ “The Killer”

Para quem não está familiarizado com quadrinhos, “The Killer” pode ser mais conhecido como a base para o filme de Fincher. No entanto, a HQ é uma experiência por si só, uma jornada intrincada que se estende por mais de 750 páginas. O anti-herói, frequentemente referido como “o assassino”, mas cujo nome real pode ser Christian, viaja por diferentes continentes, envolvendo-se com traficantes, policiais e figuras excêntricas, enquanto seu monólogo interior revela uma visão de mundo cínica e perturbadora.

A série de Matz e Jacamon mergulha fundo na psique de um homem que se vê acima do bem e do mal, justificando suas ações ao compará-las com as atrocidades da história humana – dos Conquistadores ao Genocídio de Ruanda. Ele proclama que seu interesse é apenas dinheiro, mas, à medida que a narrativa avança, essa fachada de desapego desmorona. O assassino que buscava permanecer alheio ao caos, acaba se vendo completamente enredado em uma complexa conspiração que o eleva de mero “gatilho” a um jogador influente no xadrez do capitalismo, do petróleo e do governo.

A riqueza do formato em quadrinhos, que combina palavra e imagem, permite uma densidade de informação e uma exploração psicológica que poucas outras mídias conseguem atingir. Ao final da leitura, o leitor compreende o assassino talvez até melhor do que ele mesmo.

O Olhar Lacônico e Irônico de David Fincher em “The Killer”

Não é difícil perceber o que atraiu David Fincher a este material. Sua obra é repleta de personagens complexos e críticas à alienação capitalista, desde Tyler Durden em “Clube da Luta” até John Doe em “Seven: Os Sete Crimes Capitais”. No entanto, sua adaptação de “The Killer”, roteirizada por Andrew Kevin Walker (também de “Seven”), toma rumos radicalmente diferentes do quadrinho.

O filme, estrelado por Michael Fassbender no papel principal, é uma paródia lacônica do gênero de hitman, focando menos nas divagações filosóficas e mais no processo metódico do assassino. O monólogo interno do personagem de Fassbender é irônico, focado em detalhes banais como a contagem de calorias ou a inspiração de seu disfarce (“Ninguém quer interagir com um turista alemão”, ele pontua).

Essa versão do assassino é, inegavelmente, mais divertida e irônica. Ele imagina episódios de “Storage Wars” revelando seus esconderijos repletos de armas e identidades falsas, um toque de humor negro que contrasta com a seriedade existencial da HQ. Contudo, essa versão também se mostra, paradoxalmente, mais falha e humana. Após professar ser um profissional consumado, ele falha espetacularmente em um trabalho, algo impensável para a contraparte dos quadrinhos.

As Diferenças Chave: Filosofia vs. Processo

Enquanto a HQ “The Killer” é uma imersão profunda na mente de um homem que tenta justificar sua violência através de uma filosofia de que “todos somos assassinos” e uma crítica à alienação capitalista em larga escala, o filme de Fincher opta por uma abordagem mais focada na superficialidade do profissionalismo e na inevitabilidade da falha humana, mesmo para um “expert”.

  • Foco Narrativo: A HQ explora a filosofia existencial e a complexa teia de manipulação. O filme concentra-se no processo, na ironia da falha e na crítica sutil ao profissionalismo em um mundo desumanizado.
  • Tom: A HQ é densa, filosófica e sombria. O filme é mais lacônico, irônico e com toques de humor negro.
  • Desenvolvimento do Personagem: Na HQ, o assassino se enreda em conspirações, crescendo (ou afundando) de atirador a player capitalista. No filme, ele é mais um peão que tenta, em vão, controlar o caos.
  • Sucesso vs. Fracasso: A versão da HQ é um assassino altamente competente, mesmo que moralmente questionável. A versão de Fincher é mais propenso a erros, adicionando uma camada de vulnerabilidade e comédia.

É como se Fincher, com sua própria linguagem cinematográfica e as limitações de tempo de um filme (onde o público não tolera “apenas alguém olhando o oceano melancolicamente” por muito tempo), estivesse fazendo um ponto similar aos criadores da HQ: um assassino que se pensa acima de tudo é, no fundo, apenas mais uma ferramenta na economia tardo-capitalista.

Conclusão: Duas Obras, Uma Mensagem Poderosa

Seja você fã da profunda exploração filosófica da série de quadrinhos ou da visão estilizada e irônica de David Fincher, “The Killer” oferece uma análise instigante sobre a natureza humana, a violência inerente à existência e as complexidades de um mundo movido por dinheiro e poder. O filme é um complemento fascinante à saga original, oferecendo uma perspectiva diferente que, no fim das contas, reforça a poderosa mensagem subjacente: ninguém está realmente acima do jogo.

Para aqueles que buscam uma imersão épica na psique de um homem profundamente falho, a HQ é uma leitura obrigatória. Para quem aprecia um thriller elegante e inteligente com a assinatura inconfundível de Fincher, o filme é um prêmio. Ambos, à sua maneira, convidam à reflexão sobre a violência, a moralidade e a nossa própria “violência permanente” para existir no mundo.

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