
Ana Maria Gonçalves Faz História: Primeira Mulher Negra Eleita à Academia Brasileira de Letras

Ana Maria Gonçalves Faz História: Primeira Mulher Negra Eleita à Academia Brasileira de Letras
Em um momento que redefine a Academia Brasileira de Letras (ABL), a escritora Ana Maria Gonçalves foi eleita para ocupar uma das suas imortais cadeiras. Com esta escolha, a autora de 54 anos se torna a primeira mulher negra a ingressar na instituição em 128 anos de história.
A eleição, realizada na tarde desta quinta-feira, confirmou o favoritismo de Ana Maria Gonçalves. Ela conquistou 30 votos para a cadeira de número 33, que anteriormente pertencia ao linguista Evanildo Bechara. Sua candidatura foi strategicamente articulada, sendo a primeira a se inscrever após a sessão de saudade de Bechara, demonstrando a força de seu movimento interno na ABL.
Um Marco na Literatura Brasileira
A entrada de Ana Maria Gonçalves na ABL é vista como um sinal poderoso de uma instituição buscando maior alinhamento com a rica diversidade brasileira. Em suas primeiras declarações, a escritora mineira ressaltou o potencial de sua eleição para enviar um recado: a Academia pode estar mais aberta a repensar o trato institucional da língua portuguesa, reconhecendo a imensa contribuição dos povos africanos e indígenas.
Gonçalves manifestou o desejo de levar para a ABL um público leitor que ainda não se sente plenamente representado na literatura tradicionalmente celebrada pela Casa de Machado. Ela pretende atuar institucionalmente em prol de novos escritores e novas formas de saber, incorporando a oralidade e a ‘escrevivência’ — modos de fazer literatura brasileira que emanam de nossas raízes.
O Impacto de “Um Defeito de Cor”
A obra de Ana Maria Gonçalves é amplamente reconhecida como um divisor de águas na literatura negra brasileira. Publicado em 2006, o romance histórico “Um Defeito de Cor” (Editora Record) é um épico de quase mil páginas que narra a história do Brasil sob o olhar da diáspora africana e os profundos efeitos da escravidão na formação da identidade nacional. O livro, que já vendeu mais de 180 mil exemplares, inspirou desde exposições de arte até enredos de escolas de samba e foi considerado por especialistas o melhor livro de literatura brasileira do século 21 em uma lista da Folha de S.Paulo.
Críticos literários, como Fernanda Miranda, destacam “Um Defeito de Cor” por ampliar a visão da África como um território complexo e vibrante, e por traduzir exemplarmente o Brasil em constante movimento entre culturas. A obra é celebrada por ser um encontro fértil entre autoras negras e o gênero romance, historicamente restrito a outros perfis.
Diversidade e o Futuro da ABL
A eleição de Ana Maria Gonçalves se insere em um contexto de recentes ineditismos na ABL. Nos últimos anos, a Academia abriu suas portas para Ailton Krenak, o primeiro indígena a ser empossado, e para Gilberto Gil, que se juntou a Domício Proença Filho como um dos raros homens negros na instituição. A presença feminina também tem aumentado, embora ainda em número reduzido (13 em toda a história, agora com Gonçalves).
Essa movimentação tem reacendido o debate público sobre a histórica falta de representatividade de mulheres, negros e indígenas em espaços de poder e na construção do cânone literário brasileiro. Especialistas apontam que a eleição de Gonçalves, assim como a de Krenak, pode ser vista como um passo da ABL na direção de um entendimento menos restrito do que é a literatura brasileira.
Contudo, é fundamental manter uma observação cautelosa. Como ressalta a professora Michele Asmar Fanini e ecoa a crítica de Conceição Evaristo (cuja candidatura em 2018 gerou grande debate), o importante não é apenas a quebra do pioneirismo, mas sim se esses nomes representarão uma mudança genuína ou se figurarão como símbolos isolados. O momento oferece a oportunidade de refletir sobre a “lógica arbitrária e parcial” do cânone e identificar os mecanismos de exclusão que nele operam.
A entrada de Ana Maria Gonçalves na Academia Brasileira de Letras é, sem dúvida, um acontecimento histórico. Ela traz consigo a força de sua obra e a voz de uma representatividade há muito esperada, enriquecendo a ABL e abrindo novos horizontes para a literatura brasileira contemporânea.
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