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Da Disania à Pejotização: As Novas Palavras na ‘Sala de Espera’ do VOLP (Análise g1)

Da Disania à Pejotização: As Novas Palavras na ‘Sala de Espera’ do VOLP (Análise g1)

temp_image_1752492596.799716 Da Disania à Pejotização: As Novas Palavras na 'Sala de Espera' do VOLP (Análise g1)

Da Disania à Pejotização: As Novas Palavras na ‘Sala de Espera’ do VOLP (Análise g1)

Acordar e sentir uma dificuldade quase insuperável de sair da cama. Rir com uma mistura de medo de um filme. Ou até mesmo encarar um contrato de trabalho que te transforma em Pessoa Jurídica, gerando uma saudade do regime CLT. Se você se identificou com alguma dessas situações, talvez já tenha esbarrado em palavras como disania, terrir ou pejotização.

Mas sabia que, até agora, esses termos não fazem parte do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp) oficial? Eles estão em uma espécie de lista de espera, aguardando a chancela dos lexicógrafos da Academia Brasileira de Letras (ABL) para serem incorporados formalmente ao nosso idioma. Este processo fascinante, que reflete a língua em constante movimento, foi tema de um recente destaque no g1, revelando os bastidores da evolução do nosso vocabulário.

Entender como novas palavras nascem, ganham força e podem, um dia, chegar ao Volp é mergulhar na dinâmica viva do português. Afinal, quem decide o que é e o que não é uma palavra oficial? É a ABL? É o povo?

O Que é o VOLP e Qual Sua Função?

Diferente de dicionários que tentam registrar o uso cotidiano (incluindo gírias), o VOLP é o documento legal que estabelece a grafia correta das palavras na norma padrão do português brasileiro. Sua força reside em normatizar a escrita, as flexões e a classe gramatical, sem se aprofundar nos significados descritivos.

Como bem pontuou Ricardo Cavalieri, coordenador da Comissão de Lexicografia da ABL, em entrevista ao g1: “O Volp não introduz uma palavra no léxico nem é um censor (…) Quem cria é o falante. O que o VOLP faz é registrar”. Ou seja, a língua é feita por nós, no dia a dia; o Volp apenas a formaliza quando ela atinge certa estabilidade.

Critérios Para Entrar no Vocabulário Oficial

Não é qualquer modismo que garante um lugar no Volp. Lembra da palavra “Inshalá”, popularizada por uma novela e hoje menos comum? Termos assim, passageiros, geralmente não atendem aos requisitos de permanência necessários. Os critérios principais levados em conta pela ABL incluem:

  • Ocorrência em textos escritos: A palavra precisa aparecer em materiais formais como reportagens, livros, artigos acadêmicos. A circulação apenas na oralidade ou redes sociais não basta.
  • Presença em múltiplos gêneros textuais: O termo deve ser encontrado em contextos diversos (jornalismo, ciência, literatura, textos técnicos), mostrando que não está restrito a um nicho.
  • Uso estável e uniforme: O significado da palavra deve ser consistente em diferentes situações. Um neologismo com sentidos muito dispersos ainda não está consolidado.
  • Adaptação ortográfica (para estrangeirismos): Palavras de origem estrangeira que são adaptadas ao português, como “deletar” (do inglês to delete), têm mais chances de serem incorporadas do que aquelas que mantêm a grafia original (como spin-off).

Quem Mais Está na ‘Sala de Espera’?

Para acompanhar o fluxo de novas palavras, a ABL possui o Observatório Lexical – a tal sala de espera. Ali, termos sugeridos por leitores ou identificados pelos próprios lexicógrafos são pesquisados intensamente. Além de disania, terrir e pejotização, outros candidatos aguardam análise:

  • cordonel (s.m.): Lona têxtil revestida com borracha, usada em conserto de pneus.
  • microssono (s.m.): Brevíssimo período de sono involuntário.
  • reclínio (s.m.): Ação ou estado de inclinar-se.
  • retrofitagem (s.f.): Modernização de edifícios antigos mantendo a estrutura.
  • tokenização (s.m.): Substituição de dados sensíveis por códigos aleatórios em segurança.

A decisão de incorporar um termo não tem prazo fixo; ela depende do uso e da consolidação da própria palavra na sociedade. A agilidade com que covid-19 foi incluída no Volp, por exemplo, reflete seu uso massivo e urgente durante a pandemia.

Palavras Que Chegaram Recentemente

O processo de inclusão é contínuo. Recentemente, o Volp incorporou diversos termos que já fazem parte do nosso cotidiano, refletindo mudanças sociais, avanços tecnológicos e a influência da pandemia. Veja alguns exemplos:

  • Ligadas a movimentos sociais: antirracista, empoderamento, etarismo, homoparental, letramento racial, sororidade.
  • Ligadas a tecnologias: biossegurança, cibercrime, criptomoeda, microchipagem, webinário, logar, renderização, streaming.
  • Ligadas à pandemia: Covid-19, home office, lockdown, telemedicina.
  • Outras: kombucha, poke, startup.

Por Que a Língua Não Para de Mudar?

A resposta é simples: a língua é viva! A evolução tecnológica, novas discussões sociais, empréstimos de outros idiomas e o aprofundamento em áreas do conhecimento exigem a criação constante de novos termos.

Fenômenos como os empréstimos linguísticos (palavras de outras línguas incorporadas, muitas vezes adaptadas, como futebol do inglês football) e a criação de neologismos em áreas técnicas e especializadas (medicina, engenharia) são motores dessa mudança. A ABL apenas oficializa o que já acontece na boca e na escrita das pessoas.

Como bem resume Marcelo Módolo, linguista da USP: “A força linguística é muito maior do que decretos. Decretos não conseguem parar uma língua. A língua está na boca das pessoas”. Acompanhar o Volp é, portanto, uma forma de observar o retrato oficial de um idioma que respira e se transforma junto com a sociedade que o fala.

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