
PCC e o “BK Bank Clandestino”: Operação Spare Desvenda Rede Bilionária de Lavagem de Dinheiro em Motéis e Postos

PCC e o “BK Bank Clandestino”: Operação Spare Desvenda Rede Bilionária de Lavagem de Dinheiro em Motéis e Postos
Uma teia complexa de ilícitos financeiros, digna de um thriller policial, foi desmantelada no coração de São Paulo. A Receita Federal e o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) revelaram uma engenhosa estrutura de lavagem de dinheiro utilizada pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), que transformava motéis e postos de combustíveis em um verdadeiro “BK Bank Clandestino” para movimentar fortunas do crime organizado. A Operação Spare, deflagrada nesta semana, expôs uma movimentação financeira superior a R$ 1 bilhão em apenas quatro anos.
Motéis e Postos: Fachadas de um Império Criminál
As investigações chocaram ao descobrir que cerca de 60 motéis em nomes de laranjas serviam como peças-chave nesse esquema sofisticado. Entre 2020 e 2024, esses estabelecimentos, distribuídos em São Paulo, movimentaram mais de R$ 450 milhões. A estratégia era simples, mas eficaz: usar empresas aparentemente legítimas para dar uma fachada de legalidade ao dinheiro oriundo de atividades criminosas, como o tráfico de drogas e jogos de azar.
Um dos motéis, por exemplo, chegou a distribuir incríveis 64% da receita bruta declarada como lucros e dividendos. Restaurantes com CNPJs próprios dentro desses motéis também faziam parte da teia, um deles distribuindo R$ 1,7 milhão após registrar R$ 6,8 milhões em receita entre 2022 e 2023. Essa intrincada rede demonstra como o PCC lavava dinheiro, diluindo os valores em múltiplas fontes para dificultar o rastreamento.
Do Quarto ao Patrimônio: A Expansão Ilícita
Não eram apenas os lucros diretos que alimentavam o “banco” do crime. As operações imobiliárias realizadas pelos CNPJs dos motéis também chamaram a atenção. Houve a aquisição de um imóvel de R$ 1,8 milhão em 2021 por um CNPJ e outro de R$ 5 milhões em 2023. Além dos motéis, o grupo se expandia para lojas de franquias e até empreendimentos na construção civil, mostrando a versatilidade na hora de ocultar a origem do capital.
A Operação Spare é um desdobramento da aclamada Operação Carbono Oculto, que já havia revelado a infiltração do PCC em fintechs do sistema financeiro da Faria Lima. Isso sublinha a adaptabilidade da facção em explorar diversas vertentes da economia para seus propósitos ilícitos, criando um verdadeiro sistema financeiro clandestino, muitas vezes operando como um “bk bank” para as suas operações.
O Bilhão Escondido: Uma Rede de Fraudes Fiscais
Os números da Receita Federal são estarrecedores: 21 CNPJs ligados a 98 estabelecimentos de uma mesma franquia, todos em nome de laranjas, movimentaram cerca de R$ 1 bilhão entre 2020 e 2024. No entanto, emitiram apenas R$ 550 milhões em notas fiscais. Ou seja, quase metade da movimentação era invisível aos olhos do fisco.
A discrepância tributária é ainda mais gritante: recolheram meros R$ 25 milhões em tributos federais (equivalente a 2,5% da movimentação total), enquanto distribuíram R$ 88 milhões em lucros e dividendos aos sócios envolvidos. Uma clara evidência de fraude fiscal massiva e lavagem de dinheiro do PCC.
“Com os recursos obtidos por meio do esquema, os alvos adquiriram imóveis e bens de alto valor, diretamente ou por meio de empresas patrimoniais e de fachada. (…) Estima-se que os bens identificados representem apenas 10% do patrimônio real dos envolvidos.” — Receita Federal
Os Bens do Crime: De Iates a Lamborghinis
A ostentação do patrimônio ilícito é notória. Entre os bens rastreados pela Operação Spare estão:
- Um iate de 23 metros, inicialmente em nome de um dos motéis e depois transferido a uma empresa de fachada que também adquiriu um helicóptero.
- Um helicóptero (modelo Augusta A109E) comprado em nome de um dos investigados.
- Uma Lamborghini Urus, adquirida por uma empresa patrimonial.
- Terrenos onde estão localizados diversos motéis, avaliados em mais de R$ 20 milhões.
Essa lista impressionante ilustra o volume e a diversidade dos bens adquiridos com o dinheiro sujo, consolidando o poder e a riqueza da banca criminosa do PCC.
O Chefe do Esquema: Flavinho e a Rede de Postos
O empresário Flávio Silvério Siqueira, o “Flavinho”, é apontado como o principal articulador desse esquema gigantesco de lavagem de dinheiro. Suspeito há anos de atuar na lavagem de capitais do crime organizado, Flavinho operava uma vasta rede de postos de combustíveis e indivíduos associados.
A Receita Federal identificou pelo menos 267 postos ainda ativos que, entre 2020 e 2024, movimentaram mais de R$ 4,5 bilhões. No entanto, recolheram irrisórios R$ 4,5 milhões em tributos federais – uma média de apenas 0,1% do total movimentado, percentual muito inferior à média do setor. Administradoras de postos também foram flagradas, movimentando R$ 540 milhões no mesmo período, reforçando a imagem de um “bk bank” operando à margem da lei.
Retificações Fiscais Suspeitas
Um padrão de retificações de declarações de Imposto de Renda dos envolvidos foi detectado, indicando uma tentativa de “esquentar” o patrimônio. Declarações antigas e recentes eram retificadas no mesmo dia, com a inclusão de altos valores na ficha de bens e direitos, sem a correspondente inclusão de rendimentos e pagamento de imposto. Essa manobra permitiu que membros da família do principal alvo aumentassem seu patrimônio declarado de forma irregular em cerca de R$ 120 milhões (valores atualizados).
A Operação e o Futuro do Combate ao Crime
A Operação Spare mobilizou 64 servidores da Receita Federal e 28 do Ministério Público de São Paulo (Gaeco), além de representantes da Sefaz-SP e cerca de 100 policiais militares. Foram cumpridos 25 mandados de busca e apreensão em diversas cidades paulistas, incluindo a capital, Santo André, Barueri, Bertioga, Campos do Jordão e Osasco.
As investigações também revelaram conexões entre os alvos da Spare e indivíduos envolvidos em outras grandes ações, como a Operação Carbono Oculto e a Operação Rei do Crime, evidenciando a interconexão das redes criminosas. Transações comerciais, imobiliárias, uso compartilhado de helicópteros e reservas conjuntas de passagens internacionais foram alguns dos indícios que ligaram os grupos.
A Receita Federal reafirma seu compromisso contínuo no combate às fraudes em importações e à sonegação. Recentemente, a “Operação Cadeia de Carbono” apreendeu cargas de petróleo e derivados avaliadas em R$ 240 milhões no Porto do Rio de Janeiro, de empresas que não comprovaram a origem dos recursos. A intensificação da fiscalização e o uso de inteligência fiscal são cruciais para desmantelar esses esquemas de lavagem de dinheiro e proteger a economia nacional da influência do “bk bank” do crime organizado.
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