
28 de Junho: O Legado das Decisões do STF para Direitos LGBTQIA+ no Brasil

28 de Junho: O Legado das Decisões do STF para Direitos LGBTQIA+ no Brasil
Em junho, mês marcado pela celebração e pela luta da comunidade LGBTQIA+ globalmente, é essencial refletir sobre os avanços conquistados no Brasil. Uma peça-chave nesse progresso tem sido o Supremo Tribunal Federal (STF), cujas decisões nas últimas décadas moldaram significativamente a proteção jurídica para essa população, muitas vezes suprindo lacunas deixadas pelo Poder Legislativo.
O Papel do STF: Agindo Diante da Inércia Legislativa
Especialistas em direito constitucional e diversidade sexual concordam: a atuação do STF em temas LGBTQIA+ se intensificou em virtude de uma notável inércia do Congresso Nacional em legislar sobre questões que, embora fundamentais, são consideradas polêmicas. Amanda Souto Baliza, presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero do Conselho Federal da OAB, aponta que a omissão do Legislativo em debater esses temas, apesar da previsão constitucional de combate à discriminação, abre espaço legítimo para a intervenção do Judiciário.
Renan Quinalha, advogado e professor de direito na Unifesp, corrobora, afirmando que as decisões da Corte possuem sólido respaldo na Constituição Federal de 1988. Ele destaca que princípios como a igualdade e a não discriminação, previstos na Carta Magna, abrangem expressamente a população LGBTQIAP+, e o STF tem feito uma leitura e aplicação diretas desses dispositivos para garantir a igualdade entre todas as pessoas.
Decisões Históricas Que Mudaram Vidas
Desde 2011, quando reconheceu a legalidade da união estável entre casais homoafetivos, o STF acumulou uma série de julgamentos que fortaleceram os direitos civis da comunidade LGBTQIA+. Veja alguns marcos:
- Reconhecimento da União Estável Homoafetiva (2011): Reinterpretando o Código Civil, o STF declarou inconstitucional qualquer distinção no reconhecimento da união estável baseada na orientação sexual.
- Fim da Discriminação na Doação de Sangue (2020): Considerou inconstitucionais as normas que impediam homens que mantiveram relações sexuais com outros homens de doarem sangue.
- Criminalização da Homotransfobia (2019): Equiparou ofensas e atos homotransfóbicos ao crime de racismo, reconhecendo a omissão do Legislativo em criar uma lei específica. Esta decisão utiliza como base a Lei nº 7.716/89.
- Direito à Alteração de Nome e Gênero no Registro Civil (2018): Garantiu a pessoas trans o direito de modificar nome e gênero em documentos sem a necessidade de cirurgia de redesignação, vedando o uso discriminatório do termo “transexual” no registro.
- Fim da Discriminação em Heranças (2017): Decidiu pela inconstitucionalidade da distinção entre companheiros (união estável) e cônjuges (casamento civil) na divisão de heranças.
- Proibição de “Cura Gay” pelo Conselho Federal de Psicologia (2018): Embora não listado no conteúdo original como uma decisão do STF, decisões correlatas e o entendimento da Corte reforçam a vedação de práticas que visam “reverter” a orientação sexual.
- Inconstitucionalidade de Leis Municipais Contra Ensino de Gênero (2020): Invalidou normas locais que proibiam o debate de gênero e orientação sexual em escolas, por entender que violam o direito à educação e a competência legislativa.
Críticas e o Debate Sobre o Ativismo Judicial
Nem todos veem a atuação do STF com bons olhos. Críticos frequentemente classificam essas decisões como ativismo judicial, acusando a Corte de invadir competências do Legislativo. Pedro Serrano, professor de direito constitucional da PUC-SP, pondera que, embora a posição tenha “lastro na realidade”, o sistema constitucional brasileiro designa o Judiciário como guardião dos direitos e da Constituição. Assim, é esperado que ele ofereça decisões em defesa de direitos fundamentais, independentemente da opinião majoritária da sociedade ou da inércia parlamentar.
Da Decisão Judicial à Efetivação na Prática
Apesar das vitórias no âmbito jurídico, a luta pela plena igualdade e segurança está longe do fim. As decisões do STF declaram direitos e inconstitucionalidades, mas não criam políticas públicas. A advogada Amanda Baliza ressalta que o reconhecimento legal é um ponto de partida, mas a efetivação desses direitos na sociedade exige mecanismos práticos.
Casos como o do bombeiro Erikson Russo Matias e seu marido, que esperaram pelo casamento civil para formalizar sua união por não concordarem com a distinção inicial da união estável, ou a experiência de Gustavo Leão, vítima de reincidência de ataques homofóbicos após a criminalização, ilustram os desafios. Gustavo aponta que, embora o respaldo legal exista, a agilidade e firmeza na resposta do sistema de Justiça, a correta orientação policial e o acolhimento real às vítimas ainda precisam melhorar.
Renan Quinalha reforça que, além das decisões do STF, são cruciais políticas públicas abrangentes em saúde, educação, trabalho, assistência social e outras áreas para garantir o amparo efetivo da população LGBTQIAP+ no dia a dia.
Conclusão: Um Caminho Percorrido, Uma Luta Que Continua
Em 28 de junho, e em todos os dias, é vital reconhecer o papel fundamental que o STF tem desempenhado na proteção e avanço dos direitos LGBTQIA+ no Brasil, especialmente em face das dificuldades no debate legislativo. Essas decisões representam conquistas inegáveis e marcos na jurisprudência. Contudo, as experiências da comunidade e a análise dos especialistas nos lembram que a batalha pela plena igualdade, respeito e segurança efetiva é contínua e exige o engajamento de toda a sociedade e de todos os poderes.
Compartilhar: