
80 Anos da ONU: Antonio Guterres e o Desafio de Reafirmar a Relevância Global

80 Anos da ONU: Antonio Guterres e o Desafio de Reafirmar a Relevância Global
Em um mundo em constante ebulição, a Organização das Nações Unidas (ONU) celebra seu 80º aniversário, um marco que, ao invés de apenas festividades, levanta profundos questionamentos sobre sua eficácia e real poder de influência. Criada em 1945, das cinzas da Segunda Guerra Mundial, a instituição nasceu com um propósito grandioso: ser um bastião da paz e um fórum para o diálogo global. Hoje, com Antonio Guterres à frente como Secretário-Geral, a ONU enfrenta um dos períodos mais desafiadores de sua história.
Da Utopia à Realidade: As Marcas Indeléveis da ONU
Desde sua fundação, a ONU moldou o cenário global de maneiras inegáveis. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (leia mais aqui), o apoio à descolonização de continentes inteiros e a condenação do apartheid são apenas alguns exemplos de sua profunda pegada. Suas missões de paz, embora por vezes criticadas, ajudaram a mitigar conflitos e reconstruir nações, estabelecendo arcabouços legais e diplomáticos que permanecem relevantes.
O Tabuleiro Geopolítico e a Crise de Relevância
Contudo, a realidade atual é complexa. Guerras como a da Ucrânia e a ofensiva em Gaza, somadas a tensões em países africanos e o ressurgimento de ameaças extremistas, pintam um quadro sombrio. Surge a dúvida central: a Organização das Nações Unidas ainda consegue cumprir seu papel de guardiã da paz ou se tornou uma entidade mais simbólica do que transformadora?
Especialistas em relações internacionais, como Paulo Velasco da Uerj e Rafaela Sanches da PUC-Minas, convergem na avaliação de que um mundo sem a ONU seria, sim, mais instável. A organização, mesmo com suas falhas, atua como um freio diplomático e um coordenador essencial em diversas frentes. No entanto, há um consenso de que reformas são urgentes para que a ONU se adapte aos desafios do século XXI.
Antonio Guterres e os Dilemas do Conselho de Segurança
O Secretário-Geral Antonio Guterres tem sido uma voz ativa na defesa do multilateralismo e na busca por soluções para os conflitos globais, mas seu poder, e o da organização, esbarra em uma estrutura antiga: o Conselho de Segurança. Nele, cinco membros permanentes – EUA, Rússia, China, França e Reino Unido – detêm o poder de veto. Esse mecanismo, embora concebido para evitar conflitos entre as grandes potências, hoje frequentemente paralisa ações críticas.
Rafaela Sanches destaca que essa estrutura permite que qualquer resolução que contrarie os interesses nacionais desses países seja bloqueada. “Na questão da Ucrânia, a Rússia veta resoluções que a impactariam. No conflito Israel-Palestina, os Estados Unidos já bloquearam dezenas de discussões sobre a proteção de civis”, explica.
Matias Spektor, da FGV, reforça que a ONU é tão relevante quanto no passado, mas não pode ser esperada para “domar as grandes potências que a controlam”. Sua influência é maior em conflitos onde os membros permanentes não têm envolvimento direto, atuando como mediadora eficaz em regiões da África, Ásia e, historicamente, América Latina.
Além da Segurança: O Dia a Dia Invisível da ONU
Mesmo diante das críticas à paralisia em questões de segurança, a ONU desempenha um papel vital e muitas vezes invisível no cotidiano global. Paulo Velasco lembra que a organização vai muito além dos debates em Nova York, coordenando esforços essenciais em áreas como:
- Desenvolvimento: Combate à pobreza e fomento ao crescimento sustentável.
- Saúde e Alimentação: Recomendações de saúde pública (como o incentivo ao aleitamento materno) e programas de segurança alimentar através de agências como a FAO (saiba mais).
- Educação e Cultura: Preservação do patrimônio e promoção da educação via UNESCO (visite o site).
- Direitos da Criança: Atuação do UNICEF (confira as iniciativas) em prol da infância.
- Ajuda Humanitária: Coordenação de respostas a desastres e crises, fundamental para milhões de pessoas.
Essas agências, que compõem o vasto sistema da Organização das Nações Unidas, trabalham incansavelmente para melhorar a vida em todo o planeta, provando que sua relevância transcende as manchetes sobre guerras.
O Desafio do Financiamento e o Futuro do Multilateralismo
Um dos maiores obstáculos recentes da ONU tem sido a redução de contribuições de grandes doadores. Países como França e Reino Unido diminuíram seus repasses para ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA), enquanto os Estados Unidos, sob lideranças que questionam o multilateralismo, chegaram a suspender financiamentos para órgãos como o Conselho de Direitos Humanos e a agência de refugiados palestinos (UNRWA).
Esses cortes, conforme Velasco, têm efeitos devastadores, impactando programas essenciais de combate à pobreza, saúde e educação. A postura antiglobalista, que muitas vezes associa a ONU a agendas de esquerda, enfraquece a capacidade da organização de atuar em um momento crucial para a paz mundial.
Conclusão: Uma ONU Indispensável, Apesar dos Obstáculos
Apesar dos desafios estruturais, das críticas e das pressões financeiras, a presença de figuras como Antonio Guterres e a própria existência da ONU continuam sendo vitais. Ela não é um “super-Estado” e não foi projetada para intervir na soberania das nações sem consentimento. Sua força reside em ser um espaço de diálogo, um catalisador para a cooperação e um arcabouço legal que, por vezes, é o único freio contra a escalada descontrolada de conflitos.
Em seu 80º aniversário, a ONU nos lembra que o multilateralismo pode não viver seus melhores dias, mas sua ausência tornaria o mundo imensuravelmente mais perigoso e desordenado. A busca por reformas, aliada à valorização de suas múltiplas funções, é o caminho para que a Organização das Nações Unidas possa, de fato, cumprir seu propósito de construir um futuro de paz e dignidade para todos.
Compartilhar: