
A Retórica Anti-Imigrante nos EUA: De Trump a Musk, Ecos do Racismo Histórico – O Caso da Alegada ‘Invasão Haitiana’

A Retórica Anti-Imigrante nos EUA: Ecos Sombrios do Passado
A política de imigração nos Estados Unidos, especialmente sob o governo Trump, revelou fissuras profundas que ecoam fantasias antigas de pureza racial e civilizacional. Um dia marcante ilustrou essa disparidade de forma gritante: enquanto um grupo de imigrantes brancos africânderes da África do Sul desembarcava em solo americano com status de refugiado simplificado e caminho facilitado para a cidadania, recebendo as boas-vindas de figuras políticas proeminentes e comentaristas pró-Trump, o Departamento de Segurança Interna anunciava o fim do Status de Proteção Temporária (TPS) para imigrantes de países como o Afeganistão, muitos dos quais haviam auxiliado os EUA e enfrentariam sérios riscos ao retornar.
Quando questionado sobre essa vasta diferença de tratamento entre imigrantes brancos com alegações questionáveis de perseguição e seus contrapartes não brancos em perigo real, um porta-voz do Departamento de Estado mencionou que um dos critérios para o status de refugiado é a capacidade de “assimilação ao nosso país”. Essa resposta aparentemente técnica esconde um mundo de pressupostos, alinhando-se a uma obsessão de longa data na direita americana: a crença de que a elite americana deve ser guardiã de uma civilização ocidental ameaçada por contaminação interna e cerco externo.
Raízes Históricas da Xenofobia
Essa lógica não é nova. Remonta a figuras como o proto-Trumpista Pat Buchanan, que no início dos anos 90 questionava qual grupo – zulus ou ingleses – seria “mais fácil de assimilar” e causaria “menos problemas” se um milhão de imigrantes chegassem à Virgínia. Buchanan bebia de uma fonte de pensamento reacionário branco que data do final do século XIX e início do século XX, um período assombrado pelo medo da imigração em massa e da miscigenação.
A influência da época é vista em obras como “The Passing of the Great Race” (1916) de Madison Grant, um trabalho desequilibrado, mas enormemente influente, que defendia a exclusão racial e a eugenia com argumentos assustadoramente semelhantes à queixa constante de Trump de que “não teremos mais um país” se as “hordas bárbaras” não forem contidas. A justificativa para a política imigratória sempre se apoiou no mito de um passado racial glorificado e sanitizado. O medo do declínio da civilização ocidental ganhou força na década de 1920, culminando em restrições severas à imigração e no ressurgimento da Ku Klux Klan. As populações não brancas e estrangeiras que migravam para as cidades americanas eram vistas como a personificação dessa ameaça pelos autoproclamados guardiões da civilização europeia branca.
Ecos Modernos: De Vance à Alegada “Invasão Haitiana” e Elon Musk
A retórica que justifica a política para os africânderes, por exemplo, usando a alegação infundada de “genocídio” contra fazendeiros brancos na África do Sul (popularizada por figuras como Tucker Carlson), está imersa nesse mesmo medo da “perdição civilizacional”. É grotesco, especialmente vindo de uma administração que tratou duramente populações vulneráveis e é criticada por seu apoio a ações militares no exterior que resultam em sofrimento massivo.
A mentalidade reacionária encontra expressão clara em figuras modernas. JD Vance, por exemplo, ecoa Buchanan ao defender a necessidade de populações nativas “superarem” a concorrência estrangeira em termos de natalidade e ao descrever a chegada de imigrantes em cidades pequenas com a ideia de uma “invasão”. Em um caso notório, Vance se referiu à alegada “invasão haitiana” em Springfield, Ohio, uma afirmação que, como a retórica de Grant e Buchanan, funciona como um código para o medo da alteridade racial e cultural, apresentando a chegada de pessoas de “uma cultura radicalmente diferente” como uma ameaça existencial para a comunidade local.
Outro expoente dessa retórica de “declínio civilizacional” é o sul-africano bilionário Elon Musk. Junto a aliados como David Sacks e Peter Thiel, Musk é um crítico ferrenho de pautas como DEI (Diversidade, Equidade e Inclusão) e obcecado com a ideia de uma civilização à beira do colapso. Ele expressa abertamente seu medo da queda das civilizações e exorta seus seguidores a terem mais filhos, expandindo seu próprio “projeto de procriação”. Para Musk, a colonização de Marte é uma fuga dessa ameaça, uma forma de garantir a sobrevivência da humanidade caso a civilização terráquea pereça – uma narrativa que, ironicamente, espelha as fantasias paranóicas dos eugenistas de um século atrás.
O Perigo da Retórica: Alimentando a Xenofobia
A facilidade com que figuras públicas e políticas de destaque ressuscitam e promovem essas ideias – da “assimilação” como critério racial à paranoia sobre “invasões” por grupos não brancos, incluindo a menção à comunidade haitiana – revela o quão enraizado está o racismo na narrativa da política imigratória. Ao apresentar imigrantes como uma ameaça à “civilização” ou à “pureza” nacional, essa retórica não apenas justifica políticas discriminatórias, mas também alimenta a xenofobia e o preconceito na sociedade em geral.
Confirmar fatos raramente desempenha um papel crucial nessas grandes narrativas de perigo civilizacional. O foco está em evocar medos primários e consolidar uma visão de mundo onde certos grupos são inerentemente mais desejáveis ou menos ameaçadores que outros. A alegada “invasão haitiana” e o tratamento preferencial a africânderes são apenas exemplos recentes de um padrão histórico perigoso.
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