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Audiência de Custódia: O Debate dos Embargos Infringentes e a Ampla Defesa no STF

Audiência de Custódia: O Debate dos Embargos Infringentes e a Ampla Defesa no STF

temp_image_1764176213.677645 Audiência de Custódia: O Debate dos Embargos Infringentes e a Ampla Defesa no STF

O cenário jurídico brasileiro é um palco de constantes debates e reinterpretações, onde garantias fundamentais são incessantemente postas à prova. Desde a primeira etapa de um processo, com a crucial audiência de custódia, até as últimas instâncias recursais, o direito à ampla defesa e ao devido processo legal são pilares que sustentam a nossa democracia. Recentemente, a discussão sobre a aplicação e os requisitos dos embargos infringentes no Supremo Tribunal Federal (STF) reacendeu uma controvérsia que divide opiniões entre juristas e especialistas, especialmente em casos de grande repercussão política e social.

Embargos Infringentes: Um Recurso Sob o Olhar Crítico do STF

Os embargos infringentes representam um valioso recurso no Direito Processual Penal brasileiro, concebido para permitir a rediscussão do mérito de uma decisão não unânime em tribunais de segunda instância. No entanto, sua aplicação no STF tem sido objeto de uma interpretação que, para muitos, limita significativamente o alcance da defesa. A polêmica se centra na quantidade de votos divergentes necessários para que tal recurso seja sequer admitido nas Turmas do Supremo.

É importante notar que o Código de Processo Penal não estabelece explicitamente o número de votos para os embargos infringentes no STF, e o próprio Regimento Interno da Corte carece de clareza sobre o tema em relação às Turmas. Essa lacuna, preenchida pela jurisprudência, gerou uma interpretação que é vista por muitos como um entrave à plena realização da ampla defesa.

A Controversa Tese do “Dois Votos Absolutórios”

A semente da discórdia foi plantada em 2018, quando o STF, ao julgar um caso envolvendo o ex-prefeito Paulo Maluf, firmou a tese de que, para a admissão de embargos infringentes em ações penais nas Turmas, seriam necessários, no mínimo, dois votos pela absolvição do réu. Essa interpretação, baseada em uma lógica de proporcionalidade com as composições de outros tribunais, desencadeou um intenso debate entre juristas:

  • Críticas e Preocupações: Acadêmicos renomados, como Raquel Scalcon, professora da FGV Direito SP, e Renato Vieira, doutor em Direito Processual Penal pela USP, argumentam que essa construção jurisprudencial cria uma “regra pior”, não prevista em nenhuma norma legal ou regimental, que é desfavorável ao réu e pode, assim, confrontar o direito fundamental à ampla defesa. Para eles, a restrição de um recurso concebido para favorecer a defesa vai contra a própria intenção do legislador.
  • Defensores da Interpretação: Por outro lado, juristas como o promotor aposentado Fauzi Hassan Choukr defendem a interpretação do Supremo, alegando que ela traz celeridade processual e maior segurança jurídica a uma área que era ambígua. Para eles, o direito de defesa, mesmo sendo amplo, não significa a existência de recursos para toda e qualquer decisão.

Maíra Salomi, vice-presidente da Comissão de Direito Penal do IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo), destaca o dilema: enquanto a jurisprudência agiliza o processo, ela pode colidir com o princípio da ampla defesa, especialmente em casos de condenações criminais que envolvem penas privativas de liberdade, onde uma interpretação mais favorável ao réu seria a mais adequada.

Impacto nos Processos Criminais e a Necessidade de Reavaliação

Essa interpretação restritiva já encontrou aplicação em diversos casos de alta visibilidade, incluindo decisões proferidas pelo Ministro Alexandre de Moraes em processos que envolveram ex-presidentes, como Fernando Collor, e mais recentemente no caso de Jair Bolsonaro. A questão vai além de um processo individual, transformando-se em um debate mais profundo sobre a filosofia político-criminal do Brasil e o papel do Supremo na formulação de normas procedimentais.

A mera possibilidade de que um recurso crucial seja negado por critérios não expressos em lei levanta sérias dúvidas sobre a plenitude das garantias processuais. Este é um cenário que exige constante reavaliação para que se encontre o equilíbrio entre a busca por uma justiça eficaz, a celeridade dos processos e o inalienável direito à ampla defesa.

Da Audiência de Custódia aos Recursos Finais: A Abrangência da Ampla Defesa

O sistema judiciário brasileiro, em sua busca por equidade, conta com mecanismos essenciais em diferentes estágios do processo. Na porta de entrada do sistema prisional, a audiência de custódia é um pilar fundamental. Implementada no Brasil e ancorada na Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), ela assegura que qualquer pessoa detida seja apresentada a um juiz em até 24 horas. Essa medida visa garantir a legalidade da prisão, combater a tortura e os maus-tratos, e avaliar a necessidade de medidas cautelares diversas da prisão, humanizando o processo penal desde seu início.

Assim como a audiência de custódia é vital na fase inicial, os debates em torno dos embargos infringentes são cruciais na fase recursal, refletindo a perene tensão entre a efetividade da punição e a total observância das garantias individuais. Ambos os mecanismos, em suas respectivas esferas de atuação, são pilares para a construção de um sistema de justiça mais equânime, transparente e que assegure as garantias constitucionais a todos os cidadãos, sempre sob o atento escrutínio da sociedade e da comunidade jurídica.

O acompanhamento dessas discussões é essencial para todos que buscam compreender as nuances do Direito Processual Penal e a evolução da justiça criminal no Brasil.

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