
Marilena Chaui Sem Filtros: A Filósofa Desvenda o Brasil em uma Análise Crua e Essencial

A renomada filósofa Marilena Chaui, figura incontornável do pensamento brasileiro, mais uma vez agita o debate público com suas análises contundentes e sem meias palavras. Em uma entrevista rara e reveladora, Chaui, professora emérita da USP, reafirma posições que há décadas provocam reações, como seu famoso ‘ódio à classe média’, e oferece um diagnóstico pessimista, mas profundamente lúcido, sobre o atual cenário político e social do Brasil.
O Brasil na Encruzilhada: Um Olhar Pessimista de Marilena Chaui
A condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro, segundo Marilena Chaui, embora marque um precedente histórico ao impedir e punir um atentado à democracia, não é suficiente para mudar sua visão sobre a sociedade brasileira. Tenho uma visão muito pessimista da sociedade brasileira
, declara a filósofa. Para Chaui, persiste a autoimagem de um ‘povo generoso, acolhedor, sem preconceitos’, mesmo diante da violência racista, machista e de classe que permeia o cotidiano.
A distinção entre interesse privado e direito público, tão cara à democracia, foi historicamente borrada em nosso país. A intervenção internacional, em sua análise, foi crucial para a atual percepção dos fatos. Mas, o que isso realmente revela sobre o avanço democrático de nossa nação?
Neoliberalismo: O Catalisador da Fragmentação e da Ascensão da Extrema Direita
Um dos pontos centrais da análise de Chaui é o impacto do neoliberalismo. Para ela, a ausência do Estado, preconizada por essa doutrina, abriu caminho para a ascensão da direita, que busca retomar o controle estatal. O neoliberalismo, de um lado, fragmenta a classe trabalhadora e o pensamento de esquerda; de outro, agrupa e reúne a direita
, explica. Essa desagregação social, que transforma fábricas, escolas e até indivíduos em ‘empresas’, gera um desamparo que a extrema direita explora, oferecendo amparo ideológico, muitas vezes via discursos religiosos.
A filósofa expressa grande preocupação com a fragmentação da esquerda por movimentos identitários. Na fragmentação, você não consegue formar uma totalidade política e se torna muito vulnerável à extrema direita, que é onde essa totalidade se forma
.
Marxismo e a Essência da Crítica Social: Um Olhar que Resiste ao Tempo
Com sua formação profundamente marxista, Marilena Chaui reitera a importância de pensar a sociedade a partir da economia. Eu conservo a ideia de que, sem a determinação econômica e a compreensão de como a sociedade se estrutura em classes antagônicas, não dá para fazer nada
, afirma. Ela critica a tendência de ‘ideologizar tudo’, perdendo de vista a base material dos conflitos.
A visão de Chaui sobre o neoliberalismo como uma forma de ‘totalitarismo’ é particularmente instigante. Não se trata do totalitarismo clássico de líderes e sociedades militarizadas, mas sim da homogeneização de todas as formas de vida sob a lógica empresarial. A escola é uma empresa, o hospital é uma empresa, o indivíduo é uma empresa, a igreja é uma empresa. Isso é totalitário
.
O “Ódio” à Classe Média: Uma Reafirmação Contundente
Doze anos após sua declaração icônica, a filósofa Marilena Chaui, aos 84 anos, não hesita em reafirmar: Eu odeio a classe média até o fim dos meus dias
. A explicação para essa aversão é puramente filosófica e sociológica, ancorada em uma visão marxista da sociedade. Para Chaui, a classe média não possui um lugar econômico definido entre a classe trabalhadora e a burguesia.
A classe média funciona oprimindo os dominados e bajulando os dominantes. Por isso ela é odiosa.
Sua função é primordialmente ideológica, disseminando os valores da burguesia e, em sua insegurança (o sonho de ascender e o pesadelo de cair), atua como o ‘cimento ideológico’ que mantém a estrutura social vigente.
Chaui também questiona a ideia de ‘ascensão de uma nova classe média’ nos governos Lula, defendendo que houve, na verdade, uma melhoria nas condições da classe trabalhadora, com aumento do consumo, mas sem alteração de sua posição de classe. Essa é uma reflexão crucial para entender os rumos da política brasileira recente.
O Mundo Digital: A Nova Caverna de Platão?
Em um dos momentos mais surpreendentes da entrevista, Marilena Chaui se declara uma ‘antagonista’ do mundo digital. Ela se recusa a ‘entrar no século 21’ e vê no celular e nas redes sociais uma alegoria contemporânea da caverna de Platão. O celular como tal é isso: o mundo imaginário da imagem. Só
, sentencia. Essa dependência, que ela compara a uma droga, empobrece a percepção, a linguagem e a capacidade de criação.
A cultura do cancelamento, para Chaui, é uma forma de ‘assassinato socialmente aceito’, com consequências devastadoras, inclusive casos de suicídio. Ela lamenta a falta de discussão sobre os limites do proibido e do permitido nesse novo cenário digital, onde a punição muitas vezes precede o esclarecimento do ‘crime’.
Geopolítica: Trump e o Fim do Império Americano
A análise da filósofa se estende à geopolítica, onde ela enxerga o presidente Donald Trump como um agente de ‘desinstitucionalização’ dos Estados Unidos. Comparando-o a figuras como Calígula no fim do Império Romano, Chaui vê em Trump a personificação de um imperialismo ‘quebrado por dentro’, que põe em risco as relações planetárias. Sua sustentação, por enquanto, reside no crescimento da extrema direita no mundo.
Filosofia como Modo de Vida e Reflexões Atemporais
Em seu novo livro, ‘Filosofia, um Modo de Vida’ (disponível em grandes livrarias como a Amazon Brasil ou a Martins Fontes), Chaui aborda a filosofia como uma relação ininterrupta com o mundo, uma maneira de ver, questionar e estar. A filosofia, para ela, não tem ‘expediente’ que se encerre.
Ela resgata pensadores como Spinoza para refletir sobre a crise ambiental. Quando Spinoza diz “Deus é a natureza”, o que ele diz é: Deus é uma substância absolutamente infinita […] nós somos uma expressão singular de Deus. Então, Deus é a natureza. E nós, nela. Nós com ela
. Destroçar a natureza, nessa perspectiva, é um ‘crime absoluto’.
O conceito de ‘servidão voluntária’ de Étienne de La Boétie é aplicado ao Brasil, explicando o ‘mandonismo’ que permeia nossas relações sociais, onde quem obedece o faz para ter o poder de mandar sobre outros. Uma dinâmica que Sérgio Buarque de Holanda, outro grande intelectual, já explorou em suas obras.
Debates Sensíveis: Identidade e a Linha Tênue da Acusação
Marilena Chaui também aborda questões pessoais e sociais espinhosas. Ao ser homenageada como docente negra da USP, ela compartilha como os movimentos antirracistas a ajudaram a se reconhecer como parda, revendo a história de sua própria família.
Sua defesa do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, acusado de assédio sexual, revela uma cautela em relação às acusações e ao cancelamento. Ela questiona as ‘fronteiras da vida cotidiana e dos hábitos milenares’ e lamenta a ‘punição que vem antes que você saiba qual é o crime’. A violência da acusação, sem a devida discussão e esclarecimento, para ela, é um ‘assassinato’.
A Relevância Perene do Pensamento de Marilena Chaui
A entrevista de Marilena Chaui é um convite à reflexão profunda sobre os desafios do Brasil e do mundo contemporâneo. Sua voz, embora por vezes pessimista, é um farol de lucidez em tempos turbulentos, incitando-nos a questionar, a compreender as estruturas de poder e a resistir à fragmentação. Compreender Marilena Chaui é mergulhar em uma análise crítica que se mantém vital e urgente.
Para aprofundar-se no pensamento de Marilena Chaui, explore sua biografia na Wikipédia e consulte as obras relançadas pelas editoras Boitempo e Autêntica.
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