Política: O Inesperado Revés Judicial para Trump e a Fragilidade da ‘Arma’ da Justiça

O Inesperado Revés Judicial: Grand Juries Desafiam a Estratégia de Trump e a Politização da Justiça
No intrincado e muitas vezes previsível sistema judicial americano, há eventos tão raros que sua ocorrência desafia as probabilidades. Um deles é a rejeição de uma acusação por um grand jury federal. De acordo com o Bureau of Justice Statistics, no ano fiscal de 2013, isso aconteceu apenas cinco vezes em mais de 165.000 casos – uma taxa de meros 0,003%. É um feito estatístico que a administração do ex-presidente Donald Trump conseguiu repetir em suas tentativas de retaliação legal contra adversários políticos, lançando uma sombra sobre o uso político do sistema judicial.
Um Padrão Incomum: Grand Juries Dizem ‘Não’
A primeira instância notável ocorreu em setembro, quando um grand jury rejeitou uma das três acusações contra o ex-diretor do FBI, James Comey, concordando com as outras duas por uma margem apertada. Em seguida, os indiciamentos contra Comey e a procuradora-geral de Nova York, Letitia James, foram arquivados após um juiz determinar que o promotor estava atuando ilegalmente.
A saga não terminou aí. Após o Departamento de Justiça (DoJ) encontrar outro promotor para re-indiciar James, um novo grand jury, na quinta-feira, disse ‘não obrigado’, rejeitando categoricamente as acusações. Embora o DoJ possa sinalizar uma nova tentativa, a persistência neste “exercício de retribuição” tem se mostrado infrutífera e com grande potencial de se voltar contra Trump.
A Fragilidade das Acusações e a Evidência Ausente
A grande lacuna na campanha de Trump contra seus oponentes tem sido a falta de evidências substanciais. Apesar das tentativas de aliados em justificar essas ações como uma “lawfare” – uma retaliação legal após os próprios quatro indiciamentos de Trump – as alegações de fraude hipotecária contra James e de perjúrio contra Comey parecem frágeis, especialmente quando comparadas às acusações enfrentadas pelo ex-presidente. Até mesmo alguns juristas conservadores expressaram ceticismo.
Mais do que a fragilidade das provas, a natureza política de todo esse esforço é evidente e alarmante. Enquanto Trump e seus aliados alegaram, sem base, que o então presidente Joe Biden estava por trás dos indiciamentos de Trump, o papel de Trump na orquestração dessas acusações contra seus adversários tem sido descaradamente público e transparente, para todos verem.
A Instrumentalização do Sistema de Justiça: Um Caminho Perigoso
Essa situação reforça a percepção de que Trump tem, de fato, instrumentalizado o sistema de justiça. Houve uma notória dificuldade da administração Trump em encontrar promotores dispostos a apresentar esses casos aos grand juries. Relatos da CNN indicaram que até mesmo altos funcionários do DoJ leais a Trump, incluindo a procuradora-geral Pam Bondi, resistiram a esses casos.
Com o prazo de prescrição se aproximando para as acusações de Comey, Trump forçou a saída do procurador dos EUA. A solução encontrada foi a nomeação de Lindsey Halligan – que, como o juiz que a desqualificou observou, não possuía “experiência prévia como promotora”. O que se seguiu foi um desastre, com problemas na condução da acusação e o eventual colapso dos casos Comey e James devido à nomeação ilegal de Halligan.
O Veredito da Opinião Pública: Ceticismo Crescente
Além dos tribunais de lei, existe o tribunal da opinião pública. E nesse cenário, a percepção dos americanos é um fator crucial. Uma pesquisa recente da Marquette University Law School revelou que, enquanto 55% dos americanos consideraram os indiciamentos contra Trump justificados, 58% viram as acusações contra os adversários de Trump como injustificadas.
Essa disparidade ecoa pesquisas anteriores, sugerindo um ceticismo significativo em relação aos casos Comey e James, algo que não se observou em tempo real nos indiciamentos de Trump. A opinião pública americana é muito mais propensa a considerar os casos contra os oponentes de Trump como politicamente motivados.
Consequências e o Efeito ‘Bumerangue’
A trajetória atual levanta sérias dúvidas sobre a eficácia da estratégia de Trump. É cada vez mais improvável que Comey ou James enfrentem um julgamento. E mesmo que isso acontecesse, como um júri poderia unanimemente condená-los sob um padrão de prova muito mais alto, quando nem mesmo grand juries – que não precisam de unanimidade e apenas de causa provável – conseguiram indiciar?
Internamente, essa situação também gera turbulências. Além da divisão no Departamento de Justiça, a CNN noticiou que um grand jury em Maryland investigava o tratamento de outra alegação de fraude hipotecária contra um adversário de Trump, o senador democrata Adam Schiff, envolvendo a suposta personificação de um agente federal e o compartilhamento ilegal de materiais do grand jury.
A ironia pode ser que as acusações mais significativas resultantes desses esforços sejam contra os próprios investigadores. Em algum ponto, o Departamento de Justiça pode temer uma sucessão de constrangimentos para si e para a administração. Embora alguns funcionários do DoJ pareçam ter alertado Trump sobre a inviabilidade dessa abordagem, ele, até agora, permanece inabalável, insistindo em uma estratégia que parece cada vez mais fadada ao fracasso e à repercussão negativa, tanto legal quanto politicamente.
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