Alerta Global da OMS: A Crise Silenciosa das Doenças Neurológicas e o Desafio do Brasil

Alerta Global da OMS: A Crise Silenciosa das Doenças Neurológicas e o Desafio do Brasil
A Organização Mundial da Saúde (OMS) acendeu um farol de alerta mundial: os distúrbios neurológicos, que abrangem condições como o AVC, Alzheimer, enxaqueca, epilepsia e autismo, ascenderam à triste posição de principal causa de incapacidade no planeta, superando até mesmo o câncer e as doenças cardiovasculares. Este é um cenário alarmante que exige nossa atenção imediata, especialmente no Brasil.
Bilhões Afetados: O Que Diz o Relatório da OMS?
Conforme o recente Global Status Report on Neurology, divulgado pela OMS em outubro, mais de 3,4 bilhões de pessoas vivem atualmente com alguma condição que afeta o cérebro ou o sistema nervoso – um número impressionante que representa quase metade da população global. Mas, afinal, por que essas doenças são tão devastadoras?
A resposta é clara: o cérebro é o centro de comando de tudo. Ele orquestra nossa fala, memória, movimentos, emoções e o equilíbrio intrínseco do corpo. Quando essa complexa rede neural sofre lesões, inflamações ou degenerações, o impacto reverbera por todos os sistemas, resultando em profunda incapacidade.
“É uma crise silenciosa de saúde pública global, e o Brasil reflete esse cenário de forma muito evidente”, alerta a neurologista Maramélia Miranda, presidente da Sociedade Brasileira do AVC (SBAVC) e coordenadora do Departamento de Doenças Cerebrovasculares da Academia Brasileira de Neurologia (ABN).
A Realidade Brasileira: Um País Despreparado?
O relatório da OMS faz parte do Plano Global Intersetorial para Epilepsia e Outros Distúrbios Neurológicos (IGAP), que estabelece metas ambiciosas até 2031 para mitigar o impacto dessas doenças e combater o estigma social associado a elas. A organização estima que 80% dos casos de condições neurológicas estão concentrados em países de baixa e média renda – justamente onde o acesso a diagnóstico e tratamento é mais escasso.
No Brasil, o cenário é particularmente preocupante. O Acidente Vascular Cerebral (AVC) é a principal causa de incapacidade e a segunda de morte, tendo superado o infarto como a principal causa de mortalidade cardiovascular desde 2019 – uma tendência inversa à observada em nações desenvolvidas.
Os distúrbios neurológicos que mais causam incapacidade global, e que desafiam o Brasil, incluem:
- AVC
- Enxaqueca
- Doença de Alzheimer e outras demências
- Neuropatia diabética
- Epilepsia
- Transtornos do Espectro Autista
“Aqui, o impacto é maior porque temos mais fatores de risco e menos acesso ao controle adequado da hipertensão, diabetes e colesterol”, explica a Dra. Maramélia Miranda.
O Desafio do AVC e a Urgência no Atendimento
Apesar dos avanços na criação de unidades de AVC e na oferta de tratamentos como trombólise e trombectomia via Sistema Único de Saúde (SUS) nos últimos 15 anos, a distribuição da assistência é profundamente desigual.
“Há regiões inteiras sem hospitais habilitados para trombólise. No Norte, não há nenhum centro público com o serviço, e em estados populosos como Rio de Janeiro e Minas Gerais, a trombectomia ainda não está disponível 24 horas”, ressalta a neurologista.
Reconhecer os sinais de um AVC rapidamente é vital. O acrônimo SAMU pode salvar vidas:
- S de sorriso torto.
- A de abraço fraco.
- M de música ou fala enrolada.
- U de urgência — ligar para o 192.
Cada hora de atraso no atendimento aumenta em 10% o risco de morte, reforçando a urgência da identificação e ação.
Alzheimer: Envelhecimento Acelerado e Infraestrutura Insuficiente
O rápido envelhecimento populacional é o principal propulsor do aumento dos casos de Alzheimer. “O que a França levou cem anos para envelhecer, o Brasil está fazendo em dez — e não estamos preparados para lidar com isso”, afirma a neurologista Elisa de Paula França Resende, coordenadora do Departamento de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento da ABN.
Além da idade, fatores como baixa escolaridade, hipertensão, diabetes, depressão e isolamento social agravam o cenário brasileiro. Embora exista um Plano Nacional de Demências aprovado, sua implementação ainda não se concretizou. “Precisamos de integração entre saúde, educação e assistência social — o idoso precisa de calçadas seguras, parques e centros de convivência, não só de remédio”, destaca Resende.
Avanços em biomarcadores plasmáticos e novas terapias anti-amiloide oferecem esperança, mas a infraestrutura e a capacitação profissional no país ainda são precárias, carecendo de centros de referência e equipes multidisciplinares.
Enxaqueca: A Segunda Causa de Incapacidade Global
Entre as doenças neurológicas, a enxaqueca se destaca por sua alta prevalência e, muitas vezes, invisibilidade. Segundo a neurologista Renata Londero, coordenadora do Departamento Científico de Cefaleia da ABN, a OMS a considera a segunda causa de incapacidade global, logo após a dor lombar.
“Durante muito tempo se acreditou que era só uma dor de cabeça. Mas é uma doença neurológica incapacitante, que afeta 15% da população — especialmente mulheres”, explica Londero.
A falta de acesso a tratamentos modernos, como anticorpos monoclonais e triptanos, no SUS e no rol da ANS, cria uma enorme desigualdade. Pacientes frequentemente precisam recorrer à justiça para obter as terapias necessárias.
A Dra. Londero enfatiza a importância da atenção básica: “Quem tem mais de três dias de dor de cabeça por mês deve buscar ajuda médica. Usar analgésico em excesso piora a doença. E tratar precocemente muda completamente a qualidade de vida”.
Um Chamado Urgente para a Saúde Pública
O relatório da OMS é um apelo global: menos de um terço dos países possuem políticas públicas específicas para as doenças neurológicas. No Brasil, o abismo entre o sistema público e o privado permanece vasto, apesar de avanços pontuais.
“Precisamos tratar o cérebro com a mesma urgência com que tratamos o coração”, resume Maramélia Miranda. “As doenças neurológicas já são o maior desafio sanitário do século, e enfrentá-las exige redes estruturadas, prevenção robusta e acesso real e equitativo ao cuidado.”
A conscientização e a ação coordenada são fundamentais para transformar este cenário e garantir uma melhor qualidade de vida para milhões de brasileiros e bilhões de pessoas em todo o mundo. Para mais informações sobre saúde neurológica, consulte também a Academia Brasileira de Neurologia.
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