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Setembro Amarelo: Quebrando o Silêncio sobre Saúde Mental e Prevenção do Suicídio nas Igrejas Evangélicas

Setembro Amarelo: Quebrando o Silêncio sobre Saúde Mental e Prevenção do Suicídio nas Igrejas Evangélicas

temp_image_1757504642.998137 Setembro Amarelo: Quebrando o Silêncio sobre Saúde Mental e Prevenção do Suicídio nas Igrejas Evangélicas

Setembro Amarelo: Quebrando o Silêncio sobre Saúde Mental e Prevenção do Suicídio nas Igrejas Evangélicas

Desde 2015, o mês de setembro se veste de amarelo em todo o Brasil, iluminando a importância da conscientização sobre a saúde mental e a prevenção do suicídio. É um período crucial para o diálogo, para estender a mão e para derrubar barreiras que muitas vezes impedem a busca por ajuda. No entanto, em muitas igrejas evangélicas, a conversa sobre o bem-estar mental e, em particular, a prevenção do suicídio, ainda paira como um incômodo tabu.

Próximo ao dia 10 de setembro, uma data que nos lembra da contínua necessidade de vigilância e apoio, somos convidados a aprofundar a discussão e a questionar: por que o silêncio persiste em ambientes que deveriam ser refúgios de acolhimento? Este artigo, fundamentado em uma perspectiva teológica e psicológica, busca desvendar as camadas desse silêncio, oferecendo uma ponte para que comunidades de fé possam se tornar verdadeiros santuários de esperança.

O Tabu por Trás do Altar: Fé, Vitória e a Fragilidade Humana

A cultura de celebração e vitória, que moldou boa parte das igrejas evangélicas brasileiras, frequentemente enfatiza uma fé inabalável que supera todos os desafios, uma oração que resolve tudo, e testemunhos que proclamam que “com Cristo tudo dá certo”. Nesse enredo, a fragilidade humana, o sofrimento profundo e, especialmente, o suicídio, encontram pouquíssimo espaço. Quando alguém decide colocar fim à própria vida, esse cenário de "vitória constante" é abalado, expondo uma dor que muitos na fé sentem, mas não ousam nomear.

O suicídio não se encaixa facilmente em um culto que exalta apenas conquistas, revelando que a dor psíquica intensa pode afetar qualquer pessoa, independentemente de sua crença. Essa dissonância gera um silêncio que, paradoxalmente, afasta aqueles que mais precisam de um porto seguro para suas angústias em momentos de vulnerabilidade mental.

Teologia e o Dilema do Acolhimento: Entre a Condenação e a Compaixão

Embora a Bíblia não aborde o suicídio diretamente com uma condenação explícita ou uma teologia sistemática, a tradição cristã buscou respostas ao longo dos séculos. Grandes pensadores como Santo Agostinho interpretaram o mandamento “não matarás” como aplicável também à própria vida. Tomás de Aquino reforçou essa visão, considerando o suicídio um ato grave por afrontar a soberania divina e romper vínculos sagrados.

No entanto, figuras da Reforma, como Lutero e Calvino, embora mantendo a seriedade do ato, insistiram que nem mesmo o suicídio está fora do alcance da graça e da misericórdia de Deus. Essa nuance histórica nos ajuda a compreender o dilema contemporâneo dos pastores: condenar o suicídio pode parecer insensível diante de famílias já devastadas pela dor; mostrar compreensão, por outro lado, pode soar como conivência. Diante dessa encruzilhada, muitos líderes religiosos optam pelo silêncio, acreditando ser a via mais segura para evitar erros e conflitos internos, mas ignorando a necessidade de acolhimento espiritual e emocional.

O Eco do Silêncio e a Dor Invisível na Comunidade de Fé

O problema é que o silêncio não é neutro. Ele não oferece refúgio, mas amplia a solidão de quem sofre. Ao evitar o tema do suicídio, a igreja falha em fornecer uma linguagem de acolhimento para aqueles que convivem com pensamentos de morte, bem como para as famílias atravessadas por essa tragédia. Isso cria um isolamento que potencializa o desespero e a percepção de que a comunidade de fé não é um lugar seguro para a vulnerabilidade.

Lembro-me de uma ligação angustiante de uma frequentadora da igreja, informando que seu sobrinho de 27 anos havia tirado a própria vida. Em meio a tanta dor, sua maior preocupação era como a igreja receberia a notícia. Que essa fosse sua principal inquietação naquele momento trágico é um indicativo do quanto ainda precisamos avançar e desconstruir o medo em torno do tema da saúde mental e da prevenção do suicídio em nossos espaços de fé.

A Fé que Acolhe a Dor e Transforma o Sofrimento

Falar de suicídio na igreja exige coragem: implica rever discursos, acolher dúvidas e admitir falhas. Ainda assim, é a forma mais honesta de afirmar que a fé não nega a dor, mas a transforma em um espaço de encontro genuíno. A Bíblia, inclusive, nos apresenta personagens que desejaram a morte em momentos de profunda angústia, como Moisés, Elias, Jonas e Jó. Nenhum deles foi rejeitado por isso; pelo contrário, foram acolhidos em sua fragilidade e sustentados por Deus, mostrando que a vulnerabilidade é parte intrínseca da experiência humana.

As razões que levam alguém ao suicídio são múltiplas e complexas, envolvendo transtornos mentais, dores emocionais profundas, solidão ou perdas significativas. Não se trata de ter ou não ter fé, mas de uma dor psíquica tão intensa que ofusca qualquer outra saída. Diante de uma tragédia como essa, a prioridade não é discutir o destino eterno, mas sim acolher com compaixão e amor aqueles que ficaram e aqueles que ainda lutam, oferecendo apoio psicológico e espiritual.

Setembro Amarelo como Catalisador para a Mudança nas Igrejas

Este Setembro Amarelo pode ser muito mais do que um calendário de campanhas informativas. Ele representa uma oportunidade ímpar para que as igrejas revisem sua teologia e suas práticas, enfrentando o desconforto de falar abertamente sobre o tema. É um convite para superar discursos simplistas e insensíveis, oferecendo um espaço onde a dor possa ser nomeada, a ajuda possa ser buscada e a vida, em toda a sua complexidade, possa ser verdadeiramente cuidada.

Uma iniciativa relevante, por exemplo, é o evento “Conversas Difíceis”, que ocorre no espaço Civi-co, em São Paulo, próximo ao dia 11 de setembro. Este encontro reúne teólogos, sociólogos e familiares de vítimas de suicídio para debater como as igrejas podem acolher os enlutados e lidar com casos de suicídio de pastores e líderes. O evento, com transmissão online, é um passo fundamental para fomentar essa discussão tão necessária.

Recursos e Apoio: Onde Encontrar Ajuda

Se você ou alguém que você conhece está passando por dificuldades ou precisa de apoio, não hesite em procurar ajuda. Existem diversas organizações dedicadas à prevenção do suicídio e ao apoio à saúde mental:

  • Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio: Oferece grupos de apoio, cartilhas informativas e cursos para profissionais. Saiba mais em vitaalere.com.br.
  • Abrases (Associação Brasileira dos Sobreviventes Enlutados por Suicídio): Disponibiliza materiais informativos e indica grupos de apoio em todo o país. Acesse abrases.org.br.
  • CVV (Centro de Valorização da Vida): Presta serviço voluntário e gratuito de apoio emocional e prevenção do suicídio, sob total sigilo e anonimato, pelo site e pelo telefone 188. Visite cvv.org.br.

A prevenção do suicídio é uma responsabilidade coletiva. Ao quebrarmos o silêncio, ao oferecermos acolhimento e ao promovermos a conscientização, construímos comunidades mais fortes, compassivas e capazes de cuidar integralmente de seus membros. Que este Setembro Amarelo inspire uma transformação duradoura nas igrejas e em toda a sociedade.

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